Retrato de Alberto de Lacerda

Num país sem tradição de biografias literárias, Luís Amorim de Sousa cometeu a proeza de fazer o retrato do seu amigo Alberto de Lacerda. Verdade que um retrato não é uma biografia, mas Às Sete no Sa Tortuga vai com certeza ser saudado como embrião de uma obra de maior fôlego.

         Lacerda e Amorim de Sousa foram amigos durante décadas. Conheceram-se em Londres, no café Sa Tortuga de King’s Road, creio que em 1960. (O encontro coincide com o regresso de Lacerda a Londres depois de uma temporada no Brasil.) E ficaram amigos para a vida.

         O livro lê-se num ápice, tanto pela escrita fluente do autor como pelo sortilégio que emana da figura de Lacerda, alguém que, e são palavras de Eduardo Lourenço, «sob o silencioso desdém ou a fulgurante ironia poucos adivinhariam que Alberto de Lacerda era […] um exilado de si mesmo, escolhido com infalível mirada pela musa exigente da pura melancolia e da liberdade.» (cf. Alberto de Lacerda. O Mundo de um Poeta, Lisboa: Gulbenkian, 1987) Amorim de Sousa tem a vantagem do happy few entre pares. Quando se conheceram, Lacerda tinha quase dez anos de Londres. A diferença de idade  —  Lacerda nasceu em 1928, Amorim de Sousa em 1937  —  não foi obstáculo a um convívio que sobreviveu às naturais atribulações da vida literária.

         Londres foi o ponto de encontro e despedida de ambos. Amorim de Sousa foi a última pessoa que viu Lacerda antes de morrer, no Chelsea and Westminster Hospital, a 26 de Agosto de 2007, um mês antes de completar 79 anos. Na véspera, tinha sido descoberto em coma pelo seu amigo John McEwen, crítico de arte, que o fora buscar para almoço. Um ataque de coração em simultâneo com um derrame apagaram subitamente o autor de Palácio (1961).

         Amorim de Sousa faz justiça às peculiares idiossincrasias de Alberto de Lacerda. Acompanha o seu trajecto por Londres, o período americano (primeiro em Austin, depois em Boston), o regresso a uma Londres “desumanizada” e as graves dificuldades materiais dos últimos anos.

         No momento em que a Assírio & Alvim e a Fundação Mário Soares dão à estampa os primeiros volumes da Colecção Alberto de Lacerda, sendo um deles O Pajem Formidável dos Indícios, colectânea inédita de poemas escritos entre Outubro de 1995 e Janeiro de 1997, neste momento, dizia eu, o retrato do poeta feito por Amorim de Sousa tem todas as condições para chamar a atenção para a obra de um poeta que foi sempre estrangeiro na sua própria terra.