A COR E A TEXTURA DE UMA FOLHA DE PAPEL EM BRANCO – Folhetim em Oito Episódios da autoria de Carlos Pessoa Rosa – Primeiro Episódio

Dedo indicador no nariz, o homem fuçou o buraco calmamente. Parou a ponta do dedo na frente dos olhos. Notou a estreiteza do campo visual, daí aproximar e afastar o dedo procurando o ponto de melhor foco. Estava envelhecendo. O cigarro deixou uma marca escura na unha e na pele ao redor dela. O corpo estranho foi analisado com a minúcia de um relojoeiro, como se fosse o primeiro. No fundo, a sombra de um homem não lhe despertou maior interesse.

Hábito antigo, gostava de passar o dia sentado no portão. Vez ou outra, ia bebericar na cozinha. Pinga de alambique, das boas, nunca desprezou. Aprendeu com o pai. Um gole só. Retornava esfregando as mãos e fazendo careta. Os olhos vermelhos e brilhantes fixavam o olhar no final da rua. Oferecia-lhe outro colorido. Há anos, aguardava da vida algo mais do que ser tetracampeão ou herói por ter sobrevivido às endemias, epidemias, desnutrição, doenças profissionais, atropelamentos e às chacinas. Mas um dia era imitação do outro: os mesmos rostos, indo e vindo, como o fole de um acordeão. O desemprego aumentado como praga. O tempo cada vez roubando mais o espaço. Construíram um prédio enorme na praça do bairro. Uma construção cheia de curvas e arcos. Dizia o italiano vizinho que imitavam a arte de sua cidade natal. Que importância teria se roubou o local onde ele jogava truco, xadrez e conversa fora? Desde então, o destino do italiano era uma velha cadeira de madeira no apertado da calçada. Gordo, as pernas inchadas transudam água.

(continua)