Híbrido (1)

04 de Setembro, 9:00

Ontem eu e […] ficámos sentados durante um bocado junto ao ventilador, perto das escadas que descem da rua. Era perto das sete horas. No ângulo da Alameda, observámos sossegados a misteriosa engrenagem universal, a realidade polimorfa e bi-dimensional. Dois negros a correrem à volta do relvado; três adolescentes conversando junto à fonte sem água; um grupo de rufias perto da escada oposta, a jogarem à bola com um pit-bull; um negro que dança ao som de auscultadores, um branco grunge que arrancou as mangas da camisa quadriculada; uma mulher com um carrinho de bebé, à espera da mãe da criança; um casal de namorados, num dos bancos, nos outros bancos reformados; cães de raças distintas; etc, etc. Ao fundo ficam o parque infantil, a brilhar, meio indefinido por uma poalha luminosa e melancólica, impressionista, e as várias cores de roupa, o movimento parado, que é só a ideia do que vai acontecer – um ar sólido e transparente, eriçado de partículas incandescentes e coberto com uma cor dourada e esmaecida. Cada peça da engrenagem roda por si própria, os corredores, as adolescentes, os cães, dentro de um círculo definido e puro, auto-justificado e real, até à última parcela. Mas a engrenagem, por si própria, não tem movimento, é uma máquina dura e parada, desenho técnico onde não se divisa um sentido definido. Estamos na avenida de Berna.

Da série A Ronda

Paulo Bugalho