Pizzicato

1949. A meio caminho para a América, vai a meio a noite. Em Paris já é madrugada de 28 de Outubro. O Constellation da Air France voa sobre São Miguel, rumo a Santa Maria para a escala de abastecimento. Ginette Neveu sonha. Quase um pesadelo. Quando toca pela primeira vez o fá da 1ª corda, a corda parte-se. Um ligeiro som de pizzicato, uma leve ferroada na face. A mão esquerda desce no braço do Stradivarius e na 2ª corda. Ninguém dá por nada. Nem a mais subtil alteração do timbre. Quando Sibelius lhe impõe o fá mais grave, o contacto das cerdas faz rebentar a 3ª corda. De novo o pizzicato, de novo a ferroada na face. Agora os dedos procuram na 4ª corda as notas que lhe faltam na 3ª. De repente, suspenso o arco numa breve pausa, rebentam a 2ª e a 4ª cordas.

Havia uma montanha a meio do caminho.

Daniel de Sá