Auto-Entrevista – Obra: A Desilusão de Judas de António Ganhão

Autor: António Ganhão

Obra: A Desilusão de Judas António Ganhão

Editora: Lua de Marfim

Lançamento: dia 6 de Setembro, 17.30h, El Corte Inglês, com apresentação de Miguel Real.

AUTO-ENTREVISTA

– Porquê a escrita?

Porque as palavras são eternas. Elas soltam-se dentro das frases, ganham vida própria e nunca mais ninguém lhes rouba essa vitalidade. Nós somos perecíveis, mal crescemos, entramos logo num processo de degradação. Somos, por breves instantes, o pó que ainda não assentou. A escrita tem esse lado de imortalidade que me fascina. De pó em permanente suspensão. Não altera a nossa natureza, mas exalta-nos e prolonga-nos.

– A religião surge como um factor aglutinador do seu livro. Existe no Barreiro uma comunidade religiosa tão expressiva como a que deu corpo no seu romance?

O Barreiro foi porto de chegada de muitos imigrantes vindos das terras do Alentejo, ficaram ali com Lisboa do outro lado. Foi uma espécie de fronteira entre o apelo do mundo moderno, a capital, e as tradições em que tinham crescido. Por isso foi natural que tivessem surgido muitos locais de culto como o da Nossa Senhora do Rosário. E que a Virgem respondesse ao seu apelo com um milagre. Agora, como é que um local de culto Mariano sobreviveu às lutas operárias que se seguiram à implantação da república, é uma das curiosidades que abordo no meu livro.

– No seu livro aborda a corrupção no universo bancário e o desleixo generalizado que se instalou nas relações de trabalho. É essa a sua desilusão?

Nós temos pactuado com a hipocrisia de fingir acreditar que os “sacrifícios” que nos são pedidos vão salvar o país. Os que detém o poder julgam que nos podem moldar, podar e restringir-nos como se fossemos um Bonsai, castigar-nos, assim como no Douro, se castigam as videiras para que estas produzam o melhor vinho. Aí sim, reside a única ilusão, de que esse é o caminho. Seriamos fadados para a desilusão se tivéssemos fé no dono da vinha.

– O que o levou a criar um serial killer?

Não gosto que as pessoas vejam o meu personagem como um serial killer. De facto não é. Ele está comprometido em ajudar os outros, em tornar este mundo num mundo melhor. É alguém que assume os desafios do seu ciclo social mais próximo, que cultiva a sua espiritualidade. Ele sente a urgência da missão de ser apóstolo; todos nós somos apóstolos abortivos de Cristo, como S. Paulo. Mas as nossas fragilidades comprometem esse apostolado, e não nos permitem passar uma mensagem salvadora. O meu personagem sente que não pode consentir que isso lance os outros na perdição. Por isso os salva.

– Matando-os…

Administrando um sacramento. No livro todas as mortes são um momento cénico de paz. Não existe violência, são rituais de purificação.

– O seu próximo livro seguirá esta vertente religiosa?

O personagem principal do meu próximo livro é um católico não praticante, como se definem muitos portugueses. Alguém que não se preocupa com a religião ou com o transcendente. É muito diferente do actual personagem, embora também lhe tenha emprestado alguns traços autobiográficos.

– Existirão mortes?

Claro que sim, o pó precisa de um chão para assentar. Eu defendo que todos os livros deveriam começar com uma morte, sobretudo os de poesia. Precisamos desse silêncio para crescer.