«O Arquipélago da Insónia», de António Lobo Antunes Dom Quixote, 263 páginas

Texto (!) urdido nos interstícios da dificuldade experimentada em escrever sobre a

escrita de António Lobo Antunes, socorrendo-me da mesma em momentos diversos

de «O Arquipélago da Insónia», seu romance mais recente. Ou crítica «citacional», pós-
moderna se quiserem, de cujo resultado presumo intuir-se muito do que respira, esconde

e questiona, a literatura do autor – por outras palavras, o seu modo singular e sui generis

de estar à escrita.

«De onde me virá a impressão que (…)

aqui é o silêncio porque quase não tem sons lá dentro (…)

e eu a perguntar-me qual o motivo (…)

o que é isso? (…)

sem entender alguma coisa (…)

sem alcançar (…)

(depois explico melhor) (…)

e o lápis mais depressa (…)

no tom do costume (…)

a enredar-se nas pedras (…)

eu cá me entendo, pode parecer esquisito (…)

não se dirige a uma pessoa (…)

não acredito nestes fantasmas (…)

estarei morto? (…)

estou aqui não estou? (…)

não prometo nada vou ver (…)

pode ser que um dia (…)

meu Deus (…)

sei pouco de Deus (…)

e apesar de não saber quem sou (…)

Deus sabe que não era isto que eu queria (…)

deixei de conseguir comunicar com as coisas (…)

de maneira que fico aqui à espera porque com um bocadinho de sorte pode ser que

alguma coisa aconteça (…)

a tarde inteira engrossando o silêncio (…)

sentia o silêncio no interior do silêncio (…)

deixa isso (…)

a dizer frases sem jeito que era outra forma de silêncio (…)

o que se faz com isto? (…)

o que faço a isto? (…)

o que é que sinto? (…)

és tu quem escreve isto não és? (…)

e a caneta parada a fitar-me (…)

a emendar páginas inteiras, a desesperar-se com o livro (…)

o esforço a que isto obriga (…)

o que significa isto? (…)

uma pergunta tão injusta (…)

não sei (…)

acrescente meia dúzia de bocas aos retratos já agora (…)

desculpe perguntar (…)

não compreendo as vozes (…)

as lousas impossíveis de decifrar (…)

achas que dá para cozinhar isto? (…)

e o círculo de finados a discutir (…)

idiotas (…)

olha o idiota acolá (…)

(nota: (…)

não gosto nada disto (…)

hão-de ler tudo isto, não exa, não exagero (…)

(não estou a inventar) (…)

há algum médico por aí que me aconselhe? (…)

porque eu uma criatura sem importância (…)

ai doutor (…)

acha que ainda tem ossos para correrias senhor? (…)

qualquer dia pego na caçadeira (…)

injectaram-no? (…)

não digas aos outros é um segredo nosso (…)

comigo a imaginar um tiro e o mulo a vacilar de pé (…)

não leve a mal (…)

o Senhor tem manias que a gente não percebe (…)

e os papéis ofendidos (…)

acha que pode melhorar qualquer coisinha ao menos? (…)

se calhar (…)

já vai sendo tempo filho (…)

tem paciência rapaz (…)

daqui a nada é manhã (…)

e não será manhã nunca.

não me despeça patrão (…)

preferia mil vezes não me caber esta sina.»