As mãos vazias | Lídia Borges

 

 

As mãos vazias de temporais,
de tragédias, de grandezas,
regressam da cidade
sem promessas de paz ou abundância.

Nos campos, a ondulação do pão
perdeu-se do vento e nas casas
portas e janelas batem
umas atrás das outras.

Tremulam borboletas de frio e sombra no silêncio
e os homens espalmam-se
contra as paredes a fumar e a navegar
azuladas ondas de fumo,
enquanto os cães vadios
devoram tudo ao longe.

A terra pesa debaixo dos pés
e a prosa, contra a minha vontade,
ganha limos e lodos como um bote carcomido
à beira de se afundar.

Arranco da poesia
um ramo onde canta um rouxinol
e com ele faço uma jangada para atravessar
o novo dia que já lá vem.

Lídia Borges, “Sementes Daqui”