Nostalgia | Soledade Martinho Costa

 

 

Ajuda-me, mãe
Não conheço estes caminhos
Estas ruas
Estas casas
Estas pessoas
Que se cruzam comigo
Estas vozes
Que chegam aos meus ouvidos.

Onde estou eu, mãe?
Ajuda-me a reencontrar
O local onde sempre vivi
A casa que envelheceu comigo
As paredes que ouviram
Há tanto tempo, mãe
O meu primeiro choro
No dia em que nasci.

Mas agora, mãe
Rodeada desta inquietação
Que me tolhe os passos
Agasalhada neste medo
Nem eu sei de quê
Prisioneira nos meus próprios braços
Que faço eu mãe?
Que faço eu aqui?

Aceitar o que não quero
Perdida neste deserto
Respirar o veneno
Que me invade as veias
Não me reconhecer ao ver-me ao espelho
Obrigada a dizer sim quando quero dizer não
Deitar ao vento os sonhos que sonhei
Estou cansada, mãe
Cansada deste meu cansaço
Desta luta desigual
Deste acordar em vão.

Onde estão as minhas bonecas, mãe
Os meus livros de histórias
A minha carteira da escola
A caixa dos meus bichos-da-seda
Os meus lápis de cor
Como foi que os perdi
Que tudo se perdeu de mim?
Ajuda-me a procurar as minhas coisas, mãe.

Está escuro, tudo está tão escuro
E eu sei que o Sol brilha lá fora
Porquê, mãe
Porquê esta escuridão
Porquê esta distância
Entre aquilo que fui e aquilo que sou
Entre o quente do meu sangue
E o frio nas minhas veias?

Ensina-me outra vez
As primeiras palavras, mãe
Ajuda-me a dar de novo os primeiros passos
Veste-me o vestido de veludo
Penteia-me outra vez os cabelos
Com o pente de prata
Põe-me o laço de seda branco
Preso nos meus caracóis
Tu sabes, mãe, tu podes
Já o fizeste tantas vezes, mãe.

Ajuda-me, dá-me a tua mão
Ensina-me o caminho a seguir
A que sombras me hei-de acolher, mãe?
Diz-me qual o mar de que me devo afastar
Para não molhar os meus pés de tempestade
Que sementes devo deitar à terra
Para que nasçam flores dentro do meu coração, mãe?

Ajuda-me a aceitar o que não quero
A ter por companhia quem não conheço
A beber a água salgada que me provoca sede
A comer o pão ázimo que não mata a minha fome
Ajuda-me a descansar, a dormir no teu colo
A olhar os teus olhos que não vejo onde
Ajuda-me a suportar a vida, mãe
Ajuda-me a suportar esta mágoa que me dói
Como fazias quando eu estava doente
E vinhas depor um beijo sobre a minha fronte.

Mas é tão tarde para ambas, mãe
Tão tarde, que a tua ajuda
Mesmo que ma pudesses dar chegava tarde
Tarde demais
Tão tarde, mãe, que não merecia a pena.

Na devida altura estarei a teu lado
Livre, leve, intemporal
A minha mão na tua, mãe
As duas como a sombra do voo de uma ave.

Soledade Martinho Costa